A moeda americana ainda domina, mas sua supremacia já começa a ser contestada 31701f
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o dólar americano ou a ocupar o posto de principal moeda do planeta. O marco decisivo foi o Acordo de Bretton Woods, em 1944, que estabeleceu o dólar como referência internacional atrelada ao ouro, transformando-o no alicerce do sistema financeiro global. Ainda que o padrão-ouro tenha sido abandonado em 1971, o mundo continuou usando o dólar como base para comércio, reservas cambiais e contratos internacionais.
Essa hegemonia foi reforçada pela força econômica dos Estados Unidos, sua influência política global e o tamanho e profundidade do seu mercado financeiro. Petróleo, commodities, dívidas soberanas e acordos comerciais aram a ser precificados em dólar. Mais de 80% do comércio mundial é ainda liquidado em moeda americana, e cerca de 60% das reservas cambiais globais continuam denominadas em dólares.
No entanto, um movimento cada vez mais evidente começa a questionar essa dependência: a desdolarização.
A reação geopolítica: sanções como catalisador
Embora o debate sobre a diversificação de moedas não seja novo, ele ganhou força nos últimos anos, sobretudo após o uso do sistema financeiro como instrumento de sanção pelos Estados Unidos. Países como Rússia, Irã, Venezuela e Cuba foram alvo de bloqueios que restringiram seu o ao sistema bancário global, especialmente ao mecanismo SWIFT, fundamental para transferências internacionais em dólar.
Essas ações revelaram um ponto crítico: a dependência do dólar deixa economias inteiras expostas a decisões unilaterais de Washington. Como reação, diversas nações aram a buscar alternativas para realizar comércio internacional fora da órbita da moeda americana, dando impulso à desdolarização.
A ascensão de moedas alternativas
A China tem liderado esse processo. Pequim promove acordos bilaterais com uso do yuan em operações comerciais e tem buscado ampliar a aceitação da sua moeda no mercado internacional. Já há transações de petróleo sendo feitas em yuan entre China e países do Oriente Médio. Rússia e Índia também adotaram moedas locais para parte de suas transações energéticas.
No Brasil, acordos recentes com a China e Argentina abriram espaço para trocas comerciais com liquidação em reais ou yuans. Ainda que representem uma fração modesta do volume total, essas iniciativas ganham peso político e simbólico.
No plano multilateral, os países do BRICS discutem soluções mais estruturadas, como sistemas de compensação direta e até mesmo a criação de uma moeda comum, que possa reduzir o domínio do dólar nas relações entre emergentes.
Diversificação nas reservas cambiais
Outro pilar da desdolarização está nas reservas internacionais. Segundo o FMI, a participação do dólar nas reservas globais caiu de cerca de 71% em 1999 para menos de 59% em 2023. O espaço está sendo ocupado por moedas como o euro, o franco suíço, o yuan e o ouro — que voltou a ser visto como porto seguro em tempos de incerteza e rivalidade geopolítica.
Limites do processo
Apesar das mudanças, a supremacia do dólar não está próxima do fim. Ele ainda oferece liquidez, estabilidade jurídica e profundidade de mercado que nenhum concorrente consegue igualar no curto prazo. Além disso, muitos países continuam acumulando dólares como proteção cambial e referência de valor em tempos de crise.
A desdolarização, portanto, deve ser vista como uma mudança estrutural e de longo prazo, mais gradual do que revolucionária.
O que se observa é um mundo progressivamente mais multipolar também no campo monetário. A desdolarização não visa eliminar o dólar, mas reduzir sua influência absoluta — criando caminhos alternativos para preservar a autonomia econômica em um ambiente geopolítico cada vez mais fragmentado.
Para governos, empresas e investidores, compreender esse processo é essencial. Ele redefine fluxos comerciais, rearranja o poder de barganha entre nações e pode influenciar a formação de preços, taxas de juros e políticas monetárias nos próximos anos.