Em uma recente entrevista concedida no IHU, sob o título: “Da falsa ideia de empreendedorismo e autonomia à dura realidade da exploração algorítmica do trabalho de entregadores” o professor associado de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp-Campus Guarulhos, Henrique José Domiciano Amorin, analisou a realidade atual do empreendedorismo no Brasil.Amorin, afirma que, o trabalho informal é a estrutura mais marcante do trabalho no Brasil, “O mercado de trabalho brasileiro é historicamente estruturado em cima de dois pilares: as altas taxas de informalidade e a baixa remuneração, indicando assim a superexploração da força de trabalho existente em nosso país. A crise da covid-19 serviu para escancarar estas características. De um lado, muitos dos trabalhadores vinculados aos setores chamados essenciais e que continuam trabalhando durante a pandemia têm aspectos de precarização na sua condição de trabalho. São garis, caixas de supermercado, enfermeiras e uma série de categorias que trabalham com baixos salários e poucos direitos”, ressaltou.A falácia do empreendedorismo está sendo descontruída atualmente. O sociólogo, salienta que, “Durante muito tempo, existiu a ideia de que o trabalho via empresa de plataforma traria liberdade ao profissional e as próprias organizações apostavam nesse discurso. Não demorou muito para essa falácia ser desconstruída pela dura realidade de exploração desses trabalhadores, a custo de muito suor, longas jornadas e baixíssima remuneração”. O sociólogo ressalta que, “Longe de trabalhar como entregador por conta de um desejo de se tornar microempreendedor, o entregador está lá, na imensa maioria das vezes, por falta de alternativa a outras formas mais dignas de trabalho, ou seja, o que caracteriza o engajamento a esse tipo de trabalho não é uma adesão voluntária, mas uma ‘adesão social compulsória’”, destacou.O pesquisador, argumenta que, já é fato constatado de que historicamente no Brasil as “empresas se aproveitem de fragilidades e vulnerabilidades sociais”. Amorim, identifica que há uma novidade nessa exploração do século XXI: a algoritmização. Este nova realidade traz consigo uma nova forma de gerenciamento, “Este gerenciamento algorítmico funciona como um controlador de tempos e movimentos, nos moldes tayloristas, do trabalhador individual e coletivo submetidos às plataformas digitais”, e prossegue, “Ao mesmo tempo, o gerenciamento algorítmico controla, por exemplo, quem recebe cada pedido, o tempo gasto na realização das entregas e os valores que serão cobrados, coordenando de maneira minuciosa o conjunto dos trabalhadores conectados à plataforma digital, além de coletar dados e vigiar os entregadores por geolocalização. Desta forma, os ganhos da empresa são potencializados, pois o serviço a a ser produzido com maior grau de eficiência e eficácia e com controle em tempo real”, disse.O Sociólogo, aponta ainda, que o trabalho assalariado de forma abstrato funciona como forma de controlar e expandir o lucro das empresas, “no entanto, temos que ter em mente que a forma específica de trabalho em qualquer sociedade capitalista é a do trabalho assalariado, em sua forma de trabalho abstrato. Sem levarmos isso em conta, no que se refere ao Brasil, falarmos apenas em informalidade ou precarização do trabalho acaba por limitar a análise sobre o trabalho. O que quero dizer é que as empresas capitalistas, que procuram incessantemente aumentar suas taxas de lucro, têm como referência o assalariamento (camuflado ou disfarçado, como no caso dos entregadores) e se valem da informalidade e do desemprego como mecanismo para aumentar estas taxas de lucro”. Em função disso, segundo o pesquisador: “Esse tipo de trabalho, por conta da forte crise econômica que o Brasil tem vivido nos últimos anos, com altas taxas de desemprego, obriga um conjunto de trabalhadores desempregados a “aderir” forçosamente a plataformas digitais de entrega. No contexto da pandemia isso se radicaliza e temos cabeleireiros fazendo entrega, motoristas de van escolar fazendo entrega, pedreiros fazendo entrega, vendedores de lojas fazendo entrega, isto é, um conjunto de trabalhadores que não foram assistidos pelo governo e tiveram que forçosamente aderir a esse tipo de trabalho e as suas particularidades para se proverem alguma remuneração”, ressaltou.A partir dessa reflexão, pode-se dizer que é necessário e urgente realizar uma leitura adequada de dois aspectos fundamentais do Capitalismo contemporâneo, “O capitalismo contemporâneo tem alguns aspectos que devemos destacar. O primeiro deles, como já mencionei, é que as plataformas digitais de entrega se aproveitam de um contexto de desemprego e de informalidade como o brasileiro para criar e ampliar suas taxas de lucro. O segundo, do ponto de vista da relação capital versus trabalho, se manifesta no aprofundamento das formas de exploração da classe trabalhadora no sentido em que a subsunção real do trabalho ao capital se radicaliza, sobretudo, se levarmos em conta as formas de controle e gerenciamento algorítmico que as TICs possibilitam”, afirmou.Finalmente, o Sociólogo, entende que para o Capital, não existe limites nem fronteiras. Sua sede de acumulação e lucro constantemente busca ultraar os espaços sociais e num horizonte próximo não existirá medidas que melhorem a vida do trabalhador. “Não há limites inerentes aos desejos do capital. Ele irá até onde for necessário, ora abrindo espaço para políticas mais conciliatórias, ora, como na atualidade neoliberal, casando-se perfeitamente com políticas ultraconservadoras que consideram a democracia burguesa um fardo para o crescimento econômico que favorece a acumulação de capitais e a sua, cada vez maior, concentração. (…) Provavelmente quem pagará a conta do aprofundamento da recessão econômica vindoura, a qual muitos economistas acreditam que será semelhante à crise de 1929, não serão os banqueiros, as multinacionais ou quem detém grandes fortunas. Essa conta deverá ser socializada na forma de novos impostos, maior redução salarial do setor privado e público, corte de investimentos em saúde e educação, ou seja, de um receituário que nos é familiar aqui no Brasil e, guardando as proporções, no restante dos países capitalistas. (…) Nossos atuais governantes não irão realizar por si só medidas que melhorem as condições de trabalho”. 2p13
- Daniel Andrés Baez Brizueña é formado em Teologia, Ciencia das religiões, Marketing, Letras e Filosofia.
Ótima reflexão!